Reflexões sobre o mal

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Artigo original do Blog Textos para Reflexão

A idéia de mal geralmente se refere a tudo aquilo que não é desejável ou que deve ser evitado. O mal está no vício, em oposição à virtude [1].

O bode expiatório

Diz à lenda que o jovem Einstein corrigiu seu professor quando este, em plena sala de aula, afirmou que “se Deus criou todas as coisas, então Deus também é mau, visto que criou o mal”:

“Me desculpe professor, o frio existe?” – Na afirmativa do professor, ele prosseguiu – “Na verdade, professor, o frio não existe. De acordo com as leis da física, o que nós consideramos como frio é na realidade a ausência do calor.”

“E a escuridão professor, ela existe?” – Ainda confuso, ele novamente disse que obviamente existia – “Você está errado senhor, a escuridão tampouco existe, a escuridão é na realidade a ausência de luz. A luz nós podemos estudar, mas não podemos estudar algo que inexiste: a escuridão.” – Finalmente, o jovem concluiu: “O mal não existe, ele é como o frio e a escuridão. Deus não criou o mal, o que chamamos de mal é o resultado de quando os homens não possuem o amor de Deus em seu coração...”

Independente de ter sido uma história real ou alguma invenção religiosa para atacar a idéia de que Deus criou o mal, o que nos importa é que a lógica é verdadeira: certamente, o mal não existe, não é uma força. Pela lógica, a questão da existência de Deus se fundamenta na questão da criação em si – algo existe, algo que é essencialmente infinito... O amor sim, nos dá evidências subjetivas de ser uma força inesgotável, uma fonte de onde quanto mais se tira água, mais água se tem. O mal seria tão somente a ausência ou ignorância deste amor.

Porém, se o mal não existe, quem diabos seria Satanás? Ele é uma figura muito controvertida na Bíblia. A palavra "Satã" significa em hebraico "acusador", "opositor". Aparece, pela primeira vez no livro de Jó, sendo como um promotor celestial. A sua intimidade com Deus e o direito de entrar no "Céu", de ir e vir livremente e dialogar com Ele, torna-o uma figura de muito destaque. Veja o livro de Jó 1:6 – "Um dia em que os filhos de Deus se apresentaram diante do Senhor, veio também Satanás entre eles". O livro de Jó foi escrito depois do exílio babilônico. Sabemos que o povo judeu, tendo retornado a Israel com a permissão de Ciro, rei persa, no ano 538 a.C, assimilou muitos costumes dos persas e do zoroastrismo.

O zoroastrismo foi uma das mais antigas religiões a ensinar o triunfo final do bem sobre o mal. No fim, haverá punição para os maus, e recompensa para os bons. E foi do zoroastrismo que os judeus aprenderam a crença em um Ahriman, um diabo pessoal, que, em hebraico, eles chamaram de Satan - Por isso, o seu aparecimento na Bíblia só ocorre no livro de Jó e nos outros livros escritos após o exílio babilônico. Nestes livros já aparece à influência do zoroastrismo persa. Observe ainda que a tentação de Adão e Eva é realizada pela serpente e não por Satanás, demonstrando assim que o escritor do Gênesis não conhecia Satanás.

Passa a existir a partir daí, "uma lenda" entre o povo judeu de que Satanás é considerado como o rei dos demônios, que se rebelara contra Deus sendo expulso do céu. Ao exilar-se do céu, levou consigo uma hoste de anjos caídos, e tornou-se seu líder. A rebelião começou quando ele, Satanás, o maior dos anjos, recusou prestar homenagem a Adão. Afirmam ainda que esteve por trás do pecado de Adão e Eva, no Jardim do Éden, mantendo relação sexual com Eva. Ajudou Noé a embriagar-se com vinho e tentou persuadir Abraão a não obedecer a Deus no episódio do sacrifício do seu filho Isaac [2].

Muitas pessoas acreditam muito no poder de Satanás e até o enaltecem em suas igrejas, interessante como as igrejas que tanto combateram o paganismo tenham como um de seus personagens principais um mito essencialmente pagão. Seu reino, o Inferno, sofreu influência do Tártaro da mitologia grega, morada de Hades, local para onde iam as almas dos mortos; seus chifres eram de Pã, uma entidade grega protetora da natureza; e ainda encontramos coincidências com as crenças dos antigos Egípcios, quando se acreditava que o Deus Anúbis (o Chacal) carregaria a alma dos mortos cujo coração ao ser pesado numa balança, seria mais pesado que uma pluma. Porém, acima de tudo, o próprio conceito de uma entidade que personifica o mal e disputa almas com o próprio Deus é, na melhor das hipóteses, um hino ao paganismo.

Se Deus não pode ter criado o mal, se o mal não existe – sendo tão somente a ignorância do bem –, como explicar a ilusão persistente deste mito por tantos e tantos séculos? Ora, talvez a explicação esteja no fato de Satanás, o Diabo, ser o bode expiatório perfeito...

Como certas pessoas se aprazem com a ilusão de sua existência! Existindo um centralizador de todo o mal, justificam-se nossas próprias falhas: “Não fui eu quem me viciei em bebidas e drogas, foi à influência do Capeta que me levou ao vício!”; “Não fui eu quem bati na minha mulher, foi Belzebu quem me seduziu e guiou a minha mão!”; “Não entendo como pude deixar minha honestidade de lado e roubar dinheiro público. Sou um grande político... Acreditem por favor, isso tudo foi obra de Lúcifer!”

E o bode expiatório também serve para justificar ataques ilógicos a crenças alheias, e a ciência: “Não mexo com espiritismo, isso é coisa do demônio!”; “Esse negócio de evolução foi coisa que o Cramulhão soprou nos ouvidos de Darwin, afastando-o da fé cristã!”; “Esta é sua última chance de aceitar Nosso Senhor Jesus Cristo, pois Lúcifer está sempre a espreita, esperando pelas almas desgarradas no Dia do Juízo!”

Mas o verdadeiro medo de toda essa gente é admitir que são as únicas culpadas pelo seu próprio mal. Olhe para dentro, admita que o Diabo só está em você mesmo, é único e exclusivamente seu. O seu Satanás não é igual ao Satanás de mais ninguém. Conversa com ele, faça as pazes, sublime-se de seu lado animal... e seu amor também não será igual ao de mais ninguém. Cada ser é único e reúne em si todas as possibilidades do caminho que se opõe a ignorância, sempre.

Está escrito na sua consciência e em cada linha de sua mão, não fui eu quem falei... Se Deus não criou seres perfeitos, nem entre homens nem entre anjos, foi porque não desejou que sua criação fosse palco de um espetáculo esquematizado por autômatos, por seres que não conquistaram bem algum, visto que já foram programados assim.

Nós, porém, fomos criados ignorantes. Longe de ser uma maldade, esta é a suprema benção do criador: deixar que cada ser conquiste o próprio bem, o próprio conhecimento e sabedoria, o próprio amor. Nunca ninguém conseguiu acender a luz rápido o bastante para ver a escuridão, mas se um dia alguém visse, perceberia que o Inferno nada mais é do que um beco sem saída, uma terra de estagnação.

Ninguém evolui no mal; não há uma guerra entre o bem e o mal, e nenhuma guerra algum dia foi santa. Não existe essa tal dualidade entre o bem e o mal, há apenas a ignorância, e o autoconhecimento.

A seguir: os “mestres da escuridão”, esses mimados...

[1] Não digo que esta definição de mal inexista, o mal que ataco no artigo é essencialmente a idéia de um mal sobrenatural, e sua personificação em um ser que rivaliza com Deus. Em suma, o mal existente é o nosso próprio mal.

[2] Os três últimos parágrafos foram totalmente baseados em um artigo de autoria desconhecida.

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