Reflexões sobre a consciência – Parte II

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Artigo original do Blog Textos para Reflexão

Foto por Louie Psihoyos/Corbis

Livre-arbítrio: é a crença ou doutrina filosófica que defende que a pessoa tem o poder de escolher suas ações.

O que é liberdade afinal?

Carlos é um bombeiro veterano, que durante a carreira arriscou a vida inúmeras vezes para salvar pessoas de situações de morte certa. Roberto é um ex-presidiário que após um longo tempo na prisão tenta aos poucos se readaptar a sociedade de forma honesta, e atualmente trabalha como vendedor em uma loja de de celulares. Em um dado dia em específico, ambos estão caminhando na mesma rua, e percebem que há um prédio em chamas. Numa observação mais cuidadosa, percebem que uma criança pede socorro na janela do segundo andar... Talvez seja possível ainda salvar a criança se alguém corajoso entrar rapidamente no prédio nesse exato momento, ainda que arriscando a própria vida. Essa é uma escolha complexa: arriscar a própria vida para resgatar um semelhante, ou preservar a sua vida e assistir uma criança morrer de forma pavorosa? - é nesse sentido que vamos aqui discutir o livre-arbítrio (em oposição a, por exemplo, "escolher" se curar de um vírus ou ganhar na loteria, pois sabemos que toda liberdade é obviamente limitada pelas leis naturais, e pelas leis de probabilidade).

Considerado o exemplo do parágrafo acima, vamos analisar algumas teorias científicas acerca do livre-arbítrio e de sua relação com a consciência:

Segundo o filósofo Daniel Dennet, não existem coisas como experiências subjetivas; em vez disso ele propõe que o cérebro é um computador que possui informações de diferentes fontes com uma disposição para um comportamento particular e uma habilidade para distinguir entre estímulos diferentes. Trata-se de um complexo sistema de informação e modulação de informação sem nenhuma experiência subjetiva. Seguindo o que expomos anteriormente, Dennet basicamente postula que o "teatro mental" de Baars, o que subjetivamente experienciamos como o processo de consciência, nada mais é que uma disponibilidade global de informações, interpretadas pelo cérebro de maneira determinista sem que tenhamos realmente nenhuma possibilidade de escolha subjetiva sobre "o que fazer à seguir". Muitos outros neurologistas e materialistas convictos postulam que nossas escolhas conscientes, nossa subjetividade, nossa moralidade ou imoralidade, nada mais são do que a consequência de certas interações de partículas em nosso cérebro - de fato, não é possível se declarar materialista sem concordar ao menos parcialmente com isso.

Se corretas, no entanto, essas teorias significam que nossas vidas seriam completamente determinadas por nossos genes e pelo ambiente que nos cerca, e por conseguinte não haveria lugar para as responsabilidades. Ninguém mais seria responsável ou teria algum tipo de obrigatoriedade, e muito menos qualquer tipo de mérito e/ou demérito atrelado a qualquer escolha ou ação "subjetiva e moral" - Bombeiros que salvam vidas nada mais seriam do que seres guiados por interações específicas de partículas em seus cérebros, eles nunca tiveram a "escolha" de serem altruistas ou heróis. Da mesma forma, terroristas e assassinos também não teriam "culpa" alguma por seus atos: a "culpa" fica por conta das interações de partículas em seus cérebros.

Nesse sentido, o determinismo materialista não seria muito distante do determinismo divino. Não importa se são reações químicas iniciadas pelo baile de partículas cerebrais, ou se é a "mão de deus" em ação: em ambos os casos tudo o que realizamos, pensamos e sentimos não é fruto de nossa vontade ou escolha, mas fruto de um determinismo onipresente em todo o espaço-tempo. Nesse sentido, a mera discussão filosófica sobre o assunto (ou qualquer outro assunto) se torna obsoleta de antemão, pois não somos nós que escolhemos discutir, e sim as partículas ou a "mão de deus"... Não sou eu quem está digitando este texto e nem você que o está lendo, somos meros fantoches do determinismo! E, não sei quanto a você, mas pelo bem da filosofia (e de tudo o mais) acho mais saudável considerarmos outras hipóteses... Até mesmo porque o materialismo é apenas uma teoria não comprovada, e como já devemos ter percebido a essa altura, o conhecimento do homem acerca do processo de consciência ainda está engatinhando.

Uma outra teoria para o problema foi postulada pelo anestesista Stuart Hameroff e pelo matemático Roger Penrose, e se chama teoria dos processos quânticos. Ela se baseia no princípio de que no mundo microscópico das partículas isoladas, o princípio da incerteza e a mecânica quântica fazem com que diversas "escolhas" estejam superimpostas, e não podemos saber em dado momento, com antecedência, qual delas será tomada - mais ou menos como se qualquer escolha fosse tão aleatória quanto os processos quânticos no nível subatômico. Eles propõem que a consciência nasce de estruturas minúsculas semelhantes a tubos, feitas de proteínas, que existem em todas as células do corpo, incluindo as do cérebro. Segundo a chamada teoria da Redução Objetiva Orquestrada (Orch OR, em inglês) - que deriva da primeira - a qualquer momento podem ocorrer vários estados quânticos e possibilidade nas células cerebrais, e quando uma decisão é tomada, ela é o resultado do colapso de um estado, que então alcança a consciência. Em suma, segundo Hameroff e Pensore, pensamentos e escolhas não são pré-determinadas, muito embora nosso controle sobre elas continue um tanto precário. Não diríamos, usando o exemplo do primeiro parágrafo, que Carlos "escolheu" salvar a criança porque era altruista, mas sim porque de alguma forma, sua "tendência para o altruismo" afetou os estados quânticos de suas células cerebrais, tornando a "possibilidade da escolha altruista" maior, embora fosse ainda apenas uma probabilidade. Morre o determinismo, nasce o semi-aleatório, mas não saímos muito do lugar...

Sir John Eccles, neurologista vencedor do prêmio Nobel de medicina de 1963, foi talvez o mais ilustre cientista a argumentar em favor da separação entre a mente, a consciência (no caso, um processo da mente) e o cérebro. Ele dizia:

"Nós, como pessoas que experienciam, não aceitamos tudo o que nos é fornecido por nosso instrumento, a máquina neuronal de nosso sistema sensorial e o cérebro, nós selecionamos tudo o que nos é fornecido de acordo com o interesse e a atenção, e modificamos as ações do cérebro, através do 'eu'" - em suma, Eccles apenas defendia uma característica até mesmo óbvia que surpreendentemente escapou ao olhar atento de muitos cientistas (e ainda escapa): que alguma coisa em nós faz escolhas, simples e complexas, e que não sabemos exatamente onde esse 'eu' está fisicamente no cérebro (se é que está lá, ou apenas lá).

Outro defensor dessa teoria é Bahram Elahi, especialisa em cirurgia e anatomia. Diz ele que embora a mente e o cérebro sejam separados, a mente (ou consciência) não é algo imaterial. Ao contrário, é composta de um tipo de matéria muito sutil que, embora ainda não-descoberta, é conceituamente semelhante às ondas eletromagnéticas, que são capazes de carregar sons e figuras (e mesmo videos - figuras em movimento), e são governadas por leis, axiomas e teoremas precisos. Ele teoriza que tudo relacionado a esta "entidade" deve ser considerado como uma disciplina científica não-descoberta, e estudada da mesma maneira objetiva que outras disciplinas (como química ou biologia, por exemplo). A consciência pode, portanto, ser formada por algum tipo de substância material sutil demais para ser medida ou detectada utilizando as ferramentas científicas disponíveis hoje. Dessa forma, assim como os físicos continuam tentando descobrir novas partículas exóticas de matéria (muitas das quais, como o bóson de Higgs, por enquanto existem apenas em teoria), a consciência pode ser formada por alguma matéria dentro dos cerca de 96% ainda não descobertos pela ciência, segundo a teoria da Matéria Escura.

O que é liberdade afinal? Talvez seja apenas uma ilusão criada pelo processo consciente, para que a matéria orgância conheça a si mesma, embora não tenha nenhum tipo de liberdade de escolha... Talvez, como no caso do bombeiro e do ex-presidiário, as escolhas complexas, morais, dependam de uma análise cuidadosa do inconsciente, que pode estar conectado permanentemente a uma "entidade" que governa o cérebro e seus processos... Nesse caso, o cérebro nada mais seria do que uma ferramenta nas mãos de um operário consicente, e pensamentos nada mais seriam do que as ordens dadas por tal operário... Mas, será que temos condições de compreender esse operário que se esconde da ciência, enfurnado em nosso inconsciente?

À seguir, o que a sabedoria milenar do oriente, a parapsicologia e as teorias espiritualistas tem a dizer sobre o assunto...

Bibliografia recomendada: "O tecido do cosmo" de Brian Greene (ed. Cia das Letras); "O que acontece quando morremos" de Sam Parnia (ed. Larousse).

Post Completo

Links Externos

  • [1] - Post original no Blog Textos para Reflexão
  • [2] - Vídeo no YouTube que explica o experimento de dupla fenda da mecânica quântica (dualidade onda/partícula).