CSICOP e o sTARBABY

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A astrologia sempre incomodou. Desde a sua pré-adolescência no mundo helenista até os dias de hoje, nunca foi unanimidade. Defendida por uns, atacada por outros, atrai polêmicas, discussões acaloradas e a indignação irada de quem não se conforma com tão longeva existência. A muitos causa espanto estar viva e atuante no mundo racionalista e materialista de nossos dias. Presume-se que ela seja incompatível com a razão e com o mundo material, como se, por essência, pertencesse à esfera do irracional e místico. As investidas que vem sofrendo são duras, e como não atingem o objetivo pretendido, que é riscá-la de uma vez por todas da vida cultural do Ocidente, às vezes a dureza dá lugar àquele tipo de astúcia cultivada por pessoas para quem a ética é apenas um estorvo.

Alguns indivíduos do meio acadêmico não suportam a idéia de que uma boa parte da humanidade seja religiosa e se deixe orientar pela crença numa realidade espiritual ou sobrenatural. Para eles essa atitude é irracional, e mais do que isso, perigosa. Com o objetivo de proteger bilhões de pessoas desse mal que é a religião e seus correlatos: doutrinas místicas, ocultismo, esoterismo, e no meio de tudo isso também a parapsicologia e a astrologia, tomam para si a missão de empreender uma verdadeira cruzada contra a fé ingênua e supersticiosa desses "pobres ignorantes". Alegam os esclarecidos senhores – a grande maioria é do sexo masculino – que a ciência é o único árbitro da verdade.

E de todas essas "superstições", parece que a mais temível e danosa à razão humana é a astrologia. Tanto é assim que, na década de 70, um sujeito de nome Paul Kurtz, editor do periódico The Humanist, publicou na edição de setembro/outubro de 1975 o manifesto "Objeções à Astrologia", com a assinatura de 186 cientistas, alguns dos quais eminentes. Ah, sim, antes que me esqueça, Kurtz era um professor de filosofia. Alguns viam talento naquilo que ele escrevia, outros chegaram a compará-lo, como filósofo, a Shirley MacLaine. Mas ninguém duvida de sua enorme aptidão para marketing e negócios. Provavelmente começou na carreira errada, mas depois corrigiu.

Nessa época, porém, tanto a revista quanto o editor não tinham qualquer expressão, mas Kurtz enviou o tal manifesto para quase todos os jornais dos Estados Unidos e do Canadá. Saiu até no New York Times, especialmente por causa dos nomes de alguns cientistas famosos que assinaram o Objeções. Foi esperto, o filósofo. Assim começou a atrair a atenção da mídia e no ano seguinte, 1976, nascia a criatura: The Committee for the Scientific Investigation of Claims of the Paranormal (Comitê para a Investigação Científica de Alegações de Paranormalidade), mais conhecido por CSICOP. O nome parece dizer tudo sobre seus objetivos. Mas apenas parece. Antes de explicarmos por que o CSICOP está longe de ser o que o nome sugere, ou melhor, afirma, é fácil demonstrar que a chave do seu significado está no acrônimo.

O nome do Comitê é construído de tal modo a formar, no acrônimo, a palavra cop, que em inglês significa tira, policial, como em Robocop, o tira robô. Aqui trata-se de os tiras, os autointitulados "policiais" da ciência. Aqueles que, imbuídos de "autoridade", cuidam da vigilância, para que ninguém possa agir contra alguma lei, que no caso é a vontade autoritária desses indivíduos. Eles determinam o que é verdadeiro e o que não é, e a sociedade, claro, deve obedecer. É verdade que alguns de seus membros originais, como o sociólogo Marcello Truzzi, que depois deixou o Comitê, pretendiam promover o debate e a pesquisa em torno do tema, mas outros, como Kurtz, Martin Gardner e James Randi queriam mesmo era uma presença agressiva nos meios de comunicação e o desmascaramento de "impostores". Não desejavam o debate, pois já tinham uma posição pré-estabelecida, fanática e inarredável.

As idéias de seus membros apareciam na publicação oficial do comitê, o Skeptical Inquirer, que sistematicamente apresentava os fenômenos paranormais e a astrologia como perigosos para a ciência e para a sociedade. Freqüentemente recorria-se à ridicularização e à ofensa grosseira a pessoas envolvidas nesses temas, e quase sempre só um dos lados tinha voz, aquele que interessava aos propósitos do CSICOP. O tom e o estilo da revista eram totalmente estranhos à postura científica que tanto defendia.


O Desafio

Houve, porém, uma única vez em que o CSICOP de fato se dispôs a realizar um experimento científico, e como não poderia deixar de ser, em tom de desafio. E o desafiado, ninguém menos que o nosso já conhecido Michel Gauquelin e seu polêmico Efeito Marte, de que já tratamos no artigo A Pesquisa de Michel Gauquelin (1928-1991). Só para recordar, Gauquelin dividiu a esfera celeste em 12 setores e descobriu, entre outras coisas, que 22% dos indivíduos de uma amostra de 2088 atletas europeus campeões nasciam quando Marte ocupava os setores 1 e 4. A probabilidade esperada seria de 17%, o que, dado o tamanho da amostra, é uma diferença bastante significativa em termos estatísticos. A chance do resultado ser obra do acaso é de um para alguns milhões.

A acirrada polêmica em torno desses resultados num determinado momento envolvia, de um lado, o casal Gauquelin e de outro, Paul Kurtz, George Abell, astrônomo, e Marvin Zelen, bioestatístico, todos do CSICOP. No calor da batalha, em meio a críticas e refutações, Zelen, que não confiava na amostra de Gauquelin, teve a infeliz idéia de fazer um teste definitivo: verificar, num novo grupo de controle, se a distribuição de Marte para a população média seria realmente de 17% naqueles dois setores. Caso se aproximasse de 22%, o valor encontrado por Gauquelin, estaria invalidado o Efeito Marte. Segundo Zelen, "Agora temos um método objetivo para corroborar ou refutar…"

Ótimo. Então o caso estaria resolvido com um experimento relativamente simples. Zelen era estatístico e muito provavelmente sabia o que estava propondo. Um dos membros do Conselho, entretanto, mostrou-se bastante preocupado. Era Dennis Rawling, astrônomo, que mais tarde escreveria o acachapante artigo sTARBABY para a revista Fate, denunciando a farsa em que se transformara todo esse caso envolvendo o Efeito Marte. Rawling não concordava com os argumentos que estavam sendo apresentados, já detectara alguns erros e previa problemas, pois tudo indicava que pelo menos os cálculos de Gauquelin eram corretos. Embora também um cético, ele não via como provar o contrário. Sendo assim, por que arriscar a reputação do CSICOP?

Quase um ano depois, de acordo com o relato de Rawling, Abell ainda não havia reproduzido e verificado os cálculos originais de Gauquelin. A tarefa lhe parecia intrincada. Referindo-se à dificuldade do colega, Rawling escreveu: "Sua análise…baseava-se num almanaque fornecido pelo Observatório Naval dos Estados Unidos, que apresentava uma listagem das longitudes celestes de Marte num intervalo fixo. Em vez de usar a trigonometria esférica para converter as posições de Marte em coordenadas equatoriais (conforme exigia o experimento de Gauquelin), Abell persistia com as coordenadas eclípticas do programa do ONEU".

Nessa altura, também Marcello Truzzi, então editor da Skeptical Inquirer, começava a discordar de artigos que insistiam em explicações demográficas para o Efeito Marte. Gauquelin já desmontara todos esses argumentos. Mas o trio Kurtz, Abell e Zelen não desistia. Rawlins até já redigira explicações matemáticas demonstrando os erros dos colegas céticos.


Como são espertinhos!

O experimento, portanto, basicamente resumia-se em formar um novo grupo de controle, reunindo pessoas comuns nascidas na mesma época e na mesma região dos atletas campeões. Primeiramente, Zelen queria utilizar apenas 100 ou 200 casos da amostra original de campeões, a partir dos quais seria localizado o grupo de controle. Mas essa subamostra era pequena demais para detectar o efeito em causa. É claro que Gauquelin não aceitou, apresentando evidências matemáticas da incorreção estatística que resultaria desse procedimento.

Por uma questão de viabilidade prática, acordou-se que um subgrupo de 303 campeões seria suficiente. Essa amostra acabou gerando 16.756 não-atletas como grupo de controle. Zelen procedeu a um rigoroso exame dos dados e encontrou os seguintes valores: 16,4% para o grupo de controle e 21,8% para os 303 atletas campeões, conforme indicava a previsão de Gauquelin. Assunto encerrado? De jeito nenhum.

Num artigo publicado pelo Zetetic Scholar de dezembro de 1982, Richard Kammann, professor de psicologia da Universidade de Otago, Nova Zelândia, dizia o seguinte: "Não há dúvida quanto à inquestionável vitória dos Gauquelin em relação ao efeito Marte – entre 16.756 pessoas comuns, Marte esteve nos setores 1 e 4 em 16,4% de seus nascimentos, conforme o esperado, enquanto para 2.088 esportistas campeões europeus Marte ocupou esses setores em 21,6 % dos nascimentos, uma diferença totalmente fora da esfera do mero acaso.

O que fez então o trio de "céticos"? Ora, a única coisa que estava ao seu alcance depois dessa fragorosa derrota: recorreu à astúcia capciosa. Dividiram a amostra de 303 campeões, que já era uma subamostra, em cinco subgrupos, segundo a região específica de origem e as fontes dos dados. Dessa maneira, apenas um subgrupo obteve resultado estatisticamente significativo, o restante não atingiu o mínimo. Reduzindo drasticamente o tamanho da amostra, o efeito Marte, obviamente, desaparecia. O próprio Michel Gauquelin, seis meses antes, já demonstrara que isso eliminaria o efeito planetário.

Os céticos se fizeram de desentendidos e passaram a apontar as "disparidades" e "anomalias" do experimento. Não satisfeitos com os malabarismos que fizeram, removeram os campeões do sexo feminino de uma das sub-subamostras e as mulheres do grupo de controle, tornando ainda menos significativo o resultado. O procedimento em si era uma verdadeira aberração estatística, uma ofensa à ciência! De nada valeram as advertências de Rawlins, ele mesmo um especialista em movimento planetário, e de Elizabeth Scott, professora de estatística da Universidade da Califórnia, em Berkeley, preocupados com as conseqüências para a reputação do CSICOP.


sTARBABY

O principal relato sobre os bastidores dessas peripécias e seus desdobramentos foi apresentado por Dennis Rawlings num artigo que escreveu para a edição de outubro de 1981 da revista Fate, uma publicação especializada em paranormalidade, new age e temas do gênero. O texto é um ataque feroz, um verdadeiro tomahawk dirigido aos antigos colegas de CSICOP, denunciando a prática de alguns desses senhores, especialmente o grande líder, Paul Kurtz, no tratamento da questão que envolve o incômodo Efeito Marte. Rawlings então já havia sido defenestrado do CSICOP e estava tremendamente irritado com a situação. Não deixou por menos. Entregou o ouro bem no campo do inimigo.

É interessante esclarecer o significado do título dado ao artigo original: sTARBABY. Rawlins faz aqui um divertido jogo de palavras em inglês. No sentido mais aparente, starbaby significaria algo como "filho das estrelas" ou o "bebê das estrelas". Mas, no título, a palavra começa grafada com um "s" minúsculo e com as letras seguintes todas em maiúsculo, enfatizando uma segunda palavra: TARBABY. Ora, tarbaby é o nome do boneco de piche (tar é alcatrão, piche) de uma história infantil de J.C. Harris. O personagem principal, Brer Rabbit, cada vez que golpeava o boneco, ficava ainda mais grudado e preso ao piche, uma substância altamente viscosa e pegajosa. É a própria situação dos Três Patetas do CSICOP: quanto mais procuravam destruir a teoria de Gauquelin, mais se enredavam nos próprios erros e trapalhadas, sem poder livrar-se daquele terrível visgo estelar.

Tudo ficaria ainda pior depois que Kurtz, Zellen e Abell, embaralhados com a amostra européia, resolveram realizar um teste independente com esportistas campeões nascidos nos Estados Unidos. Trombetearam a nova aventura "científica" na edição de novembro/dezembro de The Humanist. Acertaram os detalhes com Gauquelin (cuja infinita paciência parecia inabalável) num encontro realizado em julho de 1977. Os céticos sabiam o que teriam de fazer e como conduzir o experimento segundo parâmetros aceitos por ambos os lados.

Os dados para o novo teste norte-americano seriam coletados pelo próprio CSICOP. Mas insatisfeito com Abell, que demorava em agir, Kurtz pede ajuda a Rawlins e diz a ele que dessa vez queria dar uma olhada nos resultados antecipadamente, para ver o que iria acontecer. Kurtz enviava os dados e Rawlins calculava as posições de Marte. Após o cálculo de 120 nomes de atletas, os setores 1 e 4 acumulavam 22% da amostra. Novamente aquele número maldito. Kurtz liga para Rawlins para saber do andamento dos dados e ouve a má notícia. É Rawlins quem nos conta:

Ele soltou um gemido. Enfatizei que o tamanho da amostra era muito pequeno para que o resultado fosse estatisticamente significativo. Ele não se consolou com essa observação. Perguntei se ele tinha certeza de que se tratava de uma amostra correta. Ele disse que sim, então lhe assegurei que a contagem reverteria a uns 17% à medida que a amostra aumentasse…a não ser que as alegações astrológicas fossem verdadeiras, o que eu certamente não acreditava. No entanto, ele continuou falando com a voz atormentada, como alguém perturbado por um demônio que não queria ir embora.

No dia 8 de junho de 1978, Rawlins concluía seu trabalho e enviava um relatório para Kurtz com os resultados de 325 atletas. Pouco depois, Kurtz ligava para dizer: "Opa, acidentalmente esquecemos de muitos nomes… eles serão enviados imediatamente para os cartórios de registros dos estados e receberemos as datas de nascimento ainda neste verão." No final do verão chegaram mais 82 nomes, totalizando 407. Com esses últimos dados, o resultado final não foi de 22% nem 17%, mas, curiosamente, de 13,5% para os setores críticos 1 e 4, portanto derrubando o Efeito Marte. O próprio Abell achou que os cálculos deviam estar errados ou que a amostra tinha sido adulterada. Rawlins respondeu: "A amostra veio de Kurtz."

Não podemos esquecer que Rawlins estava também interessado num resultado negativo para Gauquelin e a astrologia. Apesar de sua revolta contra as manipulações de seus colegas, no artigo sTARBABY ele não questiona abertamente a subamostra final de 82 nomes, que acaba produzindo um Efeito Marte negativo, pois bem abaixo do esperado 17% e muito aquém dos 22% que até então vinham ocorrendo. Mas também não a endossa com entusiasmo. Fica nas entrelinhas um silêncio.

Os acréscimos foram feitos sem o conhecimento de Gauquelin, que obviamente suspeitou de uma fraude. Mas Kurtz ignorou as queixas do estatístico francês. É compreensível. Como explicar que os 120 primeiros nomes confirmam o resultado pró-Gauquelin, de 22%, Kurtz fica furioso, e depois disso há uma misteriosa queda para 13,5%? Resultado, aliás, altamente improvável, mas no sentido oposto. Na verdade, Kurtz não cumprira os principais critérios combinados com Gauquelin: o grau de excelência dos atletas e a inclusão, na amostra, somente de indivíduos nascidos mediante parto natural.


Obsessão e condenação a priori

O cientificismo fundamentalista do CSICOP, somado à incompetência e falta de ética de alguns de seus membros, principalmente seu fundador e presidente, já condenara a astrologia antes mesmo de qualquer experimento. Para eles, somente a ciência pode arbitrar sobre o que é ou não é verdadeiro, uma presunção no mínimo pueril. A ciência moderna, em nome da qual falam esses senhores, nem sequer se apresenta, na figura de seus representantes mais esclarecidos, como um discurso sobre a verdade, e sim como uma tentativa de modelização da realidade. Por certo, a mais eficaz até hoje realizada, mas sempre incompleta, sempre aberta a questionamentos e revisões.

Irônico que Paul Kurtz tenha escrito um livro com o título Fruto Proibido: A Ética do Humanismo e que tenha sido presidente de uma tal União Internacional Humanista e Ética. O fundador do CSICOP despreza qualquer ética, joga pesado e age segundo uma obsessão perturbadora. Não obstante, é hábil em aliciar algumas figuras importantes da ciência, que fora de suas especializações apenas engordam o argumento falacioso da autoridade, prestando um desserviço à razão. Kurtz parece não se deter diante de nada para atingir seus objetivos, é extremamente autoritário e não admite que a mídia apresente matérias relativas à paranormalidade, Medicina Alternativa e saberes alternativos de um modo geral, de uma forma que ele considere favorável a essas práticas.

Em 1997 o Conselho para a Integridade da Mídia, órgão do CSICOP que tem por objetivo impedir que assuntos como OVNIs, astrologia, parapsicologia, esoterismo, etc. sejam apresentados de um modo tal que desagrade à ideologia cientifascista do sr. Paul Kurtz e colegas, anunciava uma campanha para a criação de um Fundo de Ações da Mídia (Media Stock Fund). Traduzindo, queriam dinheiro dos associados para comprar ações de empresas como CBS, NBC, Fox, ABC, AOL/Time Warner e outras, pretendendo assim obter poder como acionista para influenciar no conteúdo da programação. Veja só até que ponto chega a obsessão de pessoas que dispõem de muito tempo ocioso e que rejeitam a democracia e a livre expressão do pensamento. Como sua história demonstra, Kurtz não deseja um debate objetivo e equilibrado sobre esses temas. Simplesmente quer bani-los da mídia ou ridicularizá-los.

É claro que defendemos uma postura crítica diante das alegações das chamadas ciências alternativas ou paralelas, astrologia inclusive, e de qualquer ciência enfim. É preciso apenas deixar bem claro o que é atividade científica, racional, e o que é crença mística ou religiosa, e que esta última tem todo o direito de se manifestar e organizar seu discurso sobre a realidade.

Texto do colega Mauro silva que, como eu, é um dos poucos que defende o estudo sério da Astrologia como ciência, através do método científico e estudos estatísticos.


Bibliografia

  • HANSEN, George P. CSICOP and the Skepitcs: An Overview. The Journal of the American Society for Psychical Research, 86, janeiro 1992.
  • WEST, John Anthony. Em Defesa da Astrologia. São Paulo: Siciliano, 1992.