VIII – Ressurreição da Carne

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1010.0 dogma da ressurreição da carne é a consagração da reencarnação ensinada pelos Espíritos?

     — Como quereis que seja de outro modo? Dá-se com essa expressão o que se dá com tantas outras que só parecem desarrazoadas aos olhos de certas pessoas que a tomam ao pé da letra e por isso são levadas à incredulidade. Dai-lhe, porém, uma interpretação lógica, e esses a que chamais livres-pensadores a admitirão sem dificuldade, precisamente porque raciocinam. Não vos enganeis, esses livres-pensadores nada mais procuram do que crer; eles têm, como os outros, mais talvez do que os outros, ansiedade pelo futuro, mas não podem admitir o que é absurdo para a Ciência. A doutrina da pluralidade das existências se conforma à justiça de Deus; somente ela pode explicar o que sem ela é inexplicável. Como quereríeis que esse princípio não estivesse na Religião ?
     1010 – a) Então a Igreja, pelo dogma da ressurreição da carne, ensina a doutrina da reencarnação?
     — Isso é evidente. Essa doutrina é a conseqüência de muitas coisas que passaram despercebidas e que não se tardará a compreender nesse sentido; dentro em pouco se reconhecerá que o Espiritismo ressalta a cada passo do próprio texto das Escrituras Sagradas. Os Espíritos não vêm, portanto, subverter a Religião, como pretendem alguns, mas pelo contrário vêm confirmá-la, sancioná-la através de provas irrecusáveis. E como é chegado o tempo de substituir a linguagem figurada, falam sem alegorias, dando às coisas um sentido claro e preciso que não possa ser objeto de nenhuma falsa interpretação. Eis porque dentro de algum tempo tereis mais pessoas sinceramente religiosas e crentes do que as tendes hoje. (São Luís.)(1)

Comentário de Kardec: A Ciência demonstra a impossibilidade da ressurreição segundo a idéia vulgar. Se os despojos do corpo humano permanecessem homogêneos, embora dispersados e reduzidos a pó, ainda se conceberia a sua reunião em determinado tempo; mas as coisas não se passam assim. O corpo é formado por elementos diversos: oxigênio, hidrogênio, azoto, carbono etc. Pela decomposição, esses elementos se dispersam, mas vão servir à formação de novos corpos, e isso de tal maneira que a mesma molécula, por exemplo, de carbono, entrará na composição de muitos milhares de corpos diferentes (não falamos senão dos corpos humanos, sem contar os dos animais). Dessa maneira, um indivíduo pode ter em seu corpo moléculas que pertenceram aos homens dos primeiros tempos. E essas mesmas moléculas orgânicas que absorveis dos vossos alimentos provêm talvez do corpo de um indivíduo que conhecestes, e assim por diante. Sendo a matéria de quantidade definida e suas transformações em número indefinido como poderia cada um desses corpos reconstituir-se com seus mesmos elementos? Há nisso uma impossibilidade material. Não se pode, portanto, racionalmente admitir a ressurreição da carne, senão como um figura simbolizando o fenômeno da reencarnação. E então nada há que choque a razão, nada que esteja em contradição com os dados da Ciência.

     É verdade que segundo o dogma essa ressurreição não deve ocorrer senão no fim dos tempos, enquanto segundo a doutrina espírita ocorre todos os dias. Mas não há também nesse quadro do julgamento final uma grande e bela figura que oculta, sob o véu da alegoria, uma dessas verdades imutáveis que os céticos não rejeitarão quando forem conduzidas à verdadeira significação? Que se medite bem a teoria espírita sobre o futuro das almas e sobre a sua sorte, em conseqüência das diferentes provas que devem sofrer, e se verá que, com exceção da simultaneidade, o julgamento em que são condenadas ou absolvidas não é uma ficção como pensam os incrédulos. Consideremos ainda que ela é a conseqüência natural da pluralidade dos mundos, hoje perfeitamente admitida, enquanto, segundo a doutrina do julgamento final, a Terra é considerada como o único mundo habitado(2).

NOTAS

(1) Estas respostas de São Luís confirmam a natureza religiosa do Espiritismo, ressaltada por Kardec no item VIII da Conclusão, em que a Doutrina é apresentada como desenvolvimento histórico do Cristianismo. Estranham alguns que o Espírito use o título de santo, mas é evidente que o usa como meio de identificação. Aliás, como ensina Kardec, os títulos terrenos nada representam para os Espíritos superiores, podendo ser usados por eles quando se fizer necessário, como neste caso. (N. do T.)


(2) A pluralidade dos mundos habitados era admitida como possibilidade no tempo de Kardec, como o é hoje, embora a Ciência não a admita como verdade comprovada. Flammarion publicou uma grande obra a respeito, traduzida para o português: “A pluralidade dos mundos habitados”, e no prefácio de “O desconhecido e os problemas psíquicos”,declara com a sua autoridade de astrônomo: “A imortalidade através das esferas siderais parece-me o complemento lógico da Astronomia”. Os astrônomos atuais procuram obter provas a respeito. (N. do T.)

Capítulo II

I – O Nada – A Vida Futura, II – Intuição das Penas e dos Gozos Futuros, III – Intervenção de Deus nas Penas e Recompensas, IV – Natureza das Penas e Gozos Futuros, V – Penas Temporais, VI – Expiação e Arrependimento, VII – Duração das Penas Futuras, VIII – Ressurreição da Carne, IX – Paraíso, Inferno, Purgatório, Paraíso Perdido