Isto não é o nada – Parte II
Artigo original do Blog Textos para Reflexão
continuando da parte 1
Está na hora de eu dar minha opinião sobre tudo isso... Apesar de admirar o pensamento de todos os autores citados acima – incluindo dos que discordo –, penso que ainda há uma forma de resumir estas questões da unificação fundamental, do surgimento da vida e do paradoxo de ainda não termos encontrado nenhum sinal de vida inteligente neste Cosmos tão grande.
Este é o problema, o paradoxo, e também a solução – ele é grande, muito grande, talvez não muito diferente, na prática, do infinito. Quando os cientistas descobriram a radiação de fundo cósmica, uma das maiores comprovações experimentais da teoria do Big Bang, também se depararam com um grande problema: como explicar como ela era tão homogênea?
Isto foi resolvido pela teoria do físico Alan Guth. A sua idéia é que, na aurora do tempo, o espaço inflou com uma velocidade absurdamente grande. Dois pontos que, inicialmente, eram vizinhos, durante a expansão ultra-rápida se distanciaram mais rapidamente do que a velocidade da luz. Para que o mecanismo funcionasse e pudesse explicar a geometria cósmica e a homogeneidade da matéria, e expansão tinha de ser exponencialmente rápida. Por isso, sua teoria ficou conhecida como Inflação Cósmica. Atualmente esta teoria é aceita pela grande maioria dos cientistas.
Uma das conseqüências da Inflação é o conceito de horizonte cósmico... Sabemos que nada material viaja mais rápido do que a luz, entretanto, durante a Inflação, o próprio tecido do espaço-tempo “inflou” de forma mais rápida do que a luz! Isso significa que existe um horizonte até onde podemos enxergar o universo – e além dele há o “universo desconhecido”, além do alcance da luz do nosso lado, do nosso horizonte, como uma América que jamais poderá ser alcançada por Colombo.
Diante dessas informações, eu muitas vezes me pergunto, ou melhor, me vejo fazendo a seguinte pergunta aos cientistas: “Meus caros, que parte do infinito vocês não entenderam?”
Os cientistas procuram por agulhas no palheiro cósmico, e ao não encontrá-las ficam algo inquietos e angustiados... Para os que seguem a bíblia, como Heeren, isso só pode significar que Deus escolheu mesmo apenas aquele povo perdido num deserto da terceira pedra do Sol, na periferia de uma dentre trilhões de galáxias; Para os céticos desiludidos com a busca pela unificação na ciência, ou pela busca da “vida abundante” no Cosmos, isso só pode significar que somos um raríssimo acidente em meio a um universo caótico e hostil; Ainda para outros, talvez mais moderados, isso tão somente significa que o Cosmos é grande, realmente grande – mas quão grande?
É aí que o infinito entra para bagunçar com todas as teorias e crenças de tantas mentes brilhantes. O infinito não se equaciona, está além da matemática e talvez mesmo além de nossa racionalidade... Mesmo assim, ainda é possível tentar vislumbrá-lo pela lógica, tal qual arriscou o grande Benedito Espinosa.
Em sua “Ética” (Ed. Autêntica), Espinosa analisa a questão da criação, do “porque existe algo e não nada?”. Podem acusá-lo de ser mais um “sonhador da unidade fundamental de todas as coisas” – tal qual o faz Marcelo Gleiser com certa propriedade –, mas apenas acusar não basta: é preciso resolver a questão, é preciso encarar ao infinito face a face. E até hoje, que me desculpem os seguidores da bíblia e cientistas céticos, dentre todas as teorias acima citadas, somente ele avançou efetivamente nesta questão.
Se algo não surge do nada, nem mesmo flutuações quânticas no vácuo, nem mesmo um espaço vazio ou um pensamento, então há que existir algo de incriado, algo de eterno. Espinosa o chamou de Substância, “a Substância que não poderia criar a si mesma”... Ora, como sabemos que espaço e tempo estão intimamente conectados, falar em eternidade é falar em infinito.
Comparativamente, o núcleo de um átomo em relação à órbita de seus elétrons corresponderia a um pequeno inseto no centro de um estádio de futebol, uma mosca no meio do Maracanã. O resto é espaço vazio, ou preenchido por alguma parte dos 96% de matéria ou energia escura que não interagem com a luz e, portanto, jamais foram detectados pela ciência – postula-se sua existência pela observação do movimento das galáxias, na media em que falta bastante matéria para explicá-lo.
Seguindo nesse pensamento, sabemos que apenas em nosso horizonte cósmico existem mais estrelas (sóis como o nosso, cheias de planetas à volta) do que grãos de areia em todas as praias da Terra! E mesmo que nem uma única forma de vida exista em torno desses trilhões e trilhões de sóis, lembrem-se de que estamos falando apenas de nosso horizonte, de até onde nossa luz pode chegar. No “universo desconhecido” temos praticamente um infinito de possibilidades. É muito difícil afirmar qualquer coisa do tipo “não existe vida fora da Terra” ante à tal infinito.
Procuramos por agulhas num palheiro cósmico, mas não devemos esmorecer se a busca tem se mostrado árdua... Não devemos esmorecer ante o infinito, pois ele é tudo o que há, ele é a Substância que abarca a todos nós. Procuramos por versões conscientes dessa Substância, mas por vezes esquecemos que também somos formados por ela, que também estamos encharcados desse mar por todos os lados.
Por mais rara que seja a vida na Terra, ela não se compara à raridade da simples existência de tudo o que há. Como os 4% da matéria que interage com a luz, ou como a ínfima quantidade de elementos pesados que possibilitam a vida como a conhecemos em meio a um oceano de hélio e hidrogênio, somos tão raros quanto a própria Substância. E mesmo que sejamos poucos na Terra, nos confins de nosso horizonte cósmico e além, certamente seremos muitos – tantos quanto às estrelas em meio ao infinito.
Da próxima vez que se angustiarem com a escuridão da noite, com a idéia do nada e da morte vindoura, lembrem-se de que também temos tantos neurônios em nosso cérebro quanto estrelas no céu, lembrem-se de tudo isso que nos lembramos, e pensamos, e sentimos, e intuímos. Lembrem-se e afirmem para si mesmos:
Isto não é o nada.
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