Um Continente de Plástico

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Entre o Havaí e a Costa Californiana existe um novo continente emergindo dia após dia. Desde a década de 30, ele se torna cada vez maior e, atualmente, já possui mais de duas vezes o tamanho do Texas. Seria a tão famosa Atlântida, emergindo para 2012? Seria uma uma rocha kriptoniana, resultado de algum cristal jogado ao mar por Lex Luthor? Seria R´lyeh, morada do Grande Cthulhu, erguendo-se do mar?

Não… este verdadeiro continente de lixo é chamado de “Great Pacific Garbage Patch”, ou em português, “O Grande Depósito de Lixo do Pacífico”. Uma área gigantesca em proporções completamente absurdas, que pode ser avistada até pelo Google Earth, maior do que as regiões Sul e Sudeste somadas e com profundidade de até 15m em alguns locais (o plástico possui várias densidades, o que torna as camadas de detritos bastante profundas, como verdadeiros “icebergs” em alguns locais), formada inteiramente de tudo o que você puder imaginar que seja feito de PLÁSTICO.

Desde que Leo Hendrik Baekeland inventou a Bakelita em 1909, a IG Farben desenvolveu o PVC no final da Primeira Guerra Mundial e a DuPont patenteou o Nylon em 1939, cerca de 99,9% de todo o plástico que já foi produzido no Planeta NÃO foi reciclado. Foi sendo continuamente jogado em latas de lixo, que por sua vez foram jogadas em lixões, que acabaram caindo em rios, que eventualmente caíram no mar. Nestes mares, existem correntes marítimas que levaram este lixo plástico para bem longe das pessoas… mas o grande problema é que existem as famosas “Correntes Marítimas”, que acabam jogando todo este lixo para lá e para cá no mar… e esse plástico foi flutuando, flutuando… até que, por força dos círculos criados por estas correntes, ele acaba ficando preso em uma determinada região do Oceano Pacífico… e foi se acumulando por décadas e mais décadas e mais décadas… até os dias de hoje.

Acho que com isso você deve ter uma noção do tamanho do problema que foi criado. Esta não é exatamente uma “novidade” para as otoridades, pois o lixão já havia sido descoberto bem antes de 1997, fotografado durante as manobras americanas no Pacífico. O grande problema é que esta área do planeta fica em águas internacionais, ou seja, na “terra de ninguém”. Cada país toca o foda-se e acha que o problema não é dele e, enquanto isso, o continente de lixo foi crescendo, crescendo, crescendo…

Em 1997, o velejador Charles Moore, capitão do veleiro Alguita, havia participado de uma competição no Havaí e resolveu experimentar uma nova rota mais ao norte. Ele sabia que estava entrando na “zona morta”, mas o que encontrou lá não saiu mais de sua mente – e transformou-se em sua razão de viver. Eis uma matéria sobre ele, que saiu no Le Monde:

“Charles Moore conserva os seus achados mais preciosos num armário de ferro no fundo do seu jardim, perto do oceano Pacífico, em Long Beach, Califórnia. Há dez anos que, a bordo de um catamarã batizado Alguita, este homem vem caçando obstinadamente uma presa singular, o plástico encalhado no fundo do oceano. (…)

O seu interesse no plástico resulta de um evento casual. Em 1997, ao retornar de uma competição de veleiros que o conduziu de Los Angeles até Honolulu, o navegador tomou a decisão de passar por uma rota habitualmente evitada pelos marinheiros, pois ela atravessava uma zona de altas pressões, sem vento, onde as correntes se enroscam no sentido das agulhas de um relógio: o Giro do Pacífico Norte. “Dia após dia, eu não consegui ver nenhum golfinho, nenhuma baleia, nenhum peixe sequer; tudo o que eu via ali era plástico“, recorda-se.

Charles Moore apaixonou-se por este lugar esquecido. Ele criou uma fundação, fez com que ela fosse financiada por doadores privados e, com a ajuda de cientistas especialistas na poluição da água, desenvolveu um método de quantificação dos detritos, antes de retornar para aquela área. Os primeiros resultados das pesquisas foram divulgados pela publicação especializada “The Marine Pollution Bulletin” em 2001. A equipe recenseou 334.271 fragmentos de plástico por km2 em média (e até mesmo a quantidade máxima de 969.777 fragmentos por km2 em certos lugares), para um peso médio de 5 kg/km2. A massa de plástico é seis vezes mais elevada do que a massa de plâncton colhida no local. O Giro atua como uma armadilha para as partículas.

O lugar onde as amostragens foram colhidas, que é tão grande quanto o Texas, é batizado de Eastern Garbage Patch, a “Porção-lixo do Leste” do Pacífico. Qual é a superfície total desta vasta “lata de lixo”? “Isso, nós ainda não descobrimos”, responde Charles Moore. “A água está sempre em movimento, e, com isso, a poluição fica muito difícil de medir. Eu percorri 150 mil quilômetros a bordo do Alguita pelo Pacífico Norte, e encontrei plástico por todo lugar”.

A Imagem desta tartaruga diz tudo. Presa em um destes aros que ficam na boca de uma garrafa de 2 litros quando pequena, ela foi crescendo e se deformando aos poucos, até se tornar esta monstruosidade, que foi encontrada pela tripulação do Alguita. além deste exemplo, dezenas de milhares de peixes morrem a cada dia por ingestão de pellets (aquelas bolinhas de plástico que são usadas para forrar caixas de eletrodomésticos) pensando que são ovos, peixes e tartarugas morrem por ingestão de saquinhos plásticos que confundem com medusas e pássaros acabam doentes ou mortos por ingestão de pecinhas de plástico que confundem com peixes ou outros alimentos.

Assustador, heim? A mais recente viagem do Alguita permitiu constatar um agravamento dos níveis de poluição. “Foi verdadeiramente chocante constatar que em cada colheita que nós trazíamos para a superfície, a rede estava sistematicamente lotada de partículas e objetos de plástico”, observa Jeffery Ernst, 22 anos, que acaba de obter o seu diploma de biologia marinha e que se alistou como voluntário para integrar a tripulação do Alguita. “Os fragmentos, que são colhidos por meio de um grande jereré sofisticado, deverão ser selecionados e classificados em 128 categorias diferentes, em função do seu tipo (fio, filme, espuma, fragmento, granulados), do seu tamanho e da sua cor.”

O que fazer? O próprio Moore é bastante pessimista diante do quadro, dada a imensidão da tarefa. É impossível filtrar o mar e a massa de plástico, já aglutinada em diversas porções, forma algo comercialmente inviável de reciclagem, devido à deterioração. Ele tem uma metáfora bastante boa para descrever o atual estado de coisas: “o mar é como um banheiro sem descarga. Nós podemos parar de usar a privada, mas não podemos tirar o que já está lá“.

A NOAA _ National Oceanic and Atmospheric Administration, que já tem há alguns anos um programa de monitoramento de resíduos marinhos, administra um tímido programa de remoção de resíduos ao norte do Havaí _ porém, o programa é centrado na busca e remoção de redes de pesca abandonadas, também conhecidas como “ghostnets“, porque elas apesar de abandonadas nunca param de pescar, levando à morte milhares de animais marinhos.

Em uma matéria do SFGate do ano passado, Holly Bamford, oceanógrafa e chefe do serviço de resíduos marinhos da NOAA, reagiu de forma previsível para qualquer burocracia pega no contrapé, questionando o tamanho e o volume do lixo total existente no Giro do Pacífico. Entretanto, ela informou que o governo americano pretende iniciar pesquisas com aviões de controle remoto que fotografarão a área _ mas o programa só deve começar em um ano e meio, e só terá resultados daqui a dois anos. E, evidentemente, ainda não se sabe muito bem como proceder para retirar os detritos existentes.

É claro que a abordagem mais prática seria aplicar regulações mais estritas sobre o que se pode jogar ao mar ou não. Existe uma convenção internacional _ “Convention on the Prevention of Marine Pollution by Dumping of Wastes and Other Matter“, de 1972, mais conhecida como Convenção de Londres _ regulamentando o tipo de material que pode ser jogado ao mar, mas apenas para embarcações, aeronaves e plataformas, e não a partir da terra, o que reduz bastante sua abrangência já que esta é a maior parte do lixo atirado ao mar.

Mas até onde sei não existem iniciativas mais organizadas e sérias para lidar com o problema do lixo não-biodegradável em mar alto, muito menos de limitação do despejo de plásticos no mar. Se alguém conhece, por favor sinta-se a vontade para informar ou mesmo linkar a fonte na caixa de comentários deste post.

Bem… não são apenas as grandes religiões que mentem para vocês. Os cientistas e os governos também varrem a sujeira para debaixo do tapete (ou para debaixo do mar). Quem sabe se em 2012 todo esse lixo não será devolvido às nossas praias?