Eros e Psique: Difference between revisions

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Conta a lenda que dormia
Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
De além do muro da estrada.


Ele tinha que, tentado,
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.  
Por o que à Princesa vem.  


A Princesa Adormecida,
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.  
Verde, uma grinalda de hera.  


Longe o Infante, esforçado,
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.  
Ela para ele é ninguém.  


Mas cada um cumpre o Destino
Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.  
Que faz existir a estrada.  


E, se bem que seja obscuro
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,  
Chega onde em sono ela mora,  


E, inda tonto do que houvera,
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.  
A Princesa que dormia.  


[[Fernando Pessoa]]
[[Fernando Pessoa]]

Revision as of 13:31, 27 October 2010

Conta a lenda que dormia

Uma Princesa encantada

A quem só despertaria

Um Infante, que viria

De além do muro da estrada.


Ele tinha que, tentado,

Vencer o mal e o bem,

Antes que, já libertado,

Deixasse o caminho errado

Por o que à Princesa vem.


A Princesa Adormecida,

Se espera, dormindo espera,

Sonha em morte a sua vida,

E orna-lhe a fronte esquecida,

Verde, uma grinalda de hera.


Longe o Infante, esforçado,

Sem saber que intuito tem,

Rompe o caminho fadado,

Ele dela é ignorado,

Ela para ele é ninguém.


Mas cada um cumpre o Destino

Ela dormindo encantada,

Ele buscando-a sem tino

Pelo processo divino

Que faz existir a estrada.


E, se bem que seja obscuro

Tudo pela estrada fora,

E falso, ele vem seguro,

E vencendo estrada e muro,

Chega onde em sono ela mora,


E, inda tonto do que houvera,

À cabeça, em maresia,

Ergue a mão, e encontra hera,

E vê que ele mesmo era

A Princesa que dormia.


Fernando Pessoa