Iniciação: Difference between revisions

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Não dormes sob os ciprestes,
Não dormes sob os ciprestes,
Pois não há sono no mundo.
Pois não há sono no mundo.
O corpo é a sombra das vestes
O corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo.
Que encobrem teu ser profundo.
Vem a noite, que é a morte,
Vem a noite, que é a morte,
E a sombra acabou sem ser.
E a sombra acabou sem ser.
Vais na noite só recorte,
Vais na noite só recorte,
Igual a ti sem querer.
Igual a ti sem querer.
Mas na Estalagem do Assombro
Mas na Estalagem do Assombro
Tiram-te os Anjos a capa.
Tiram-te os Anjos a capa.
Segues sem capa no ombro,
Segues sem capa no ombro,
Com o pouco que te tapa.
Com o pouco que te tapa.
Então Arcanjos da Estrada
Então Arcanjos da Estrada
Despem-te e deixam-te nu.
Despem-te e deixam-te nu.
Não tens vestes, não tens nada:
Não tens vestes, não tens nada:
Tens só teu corpo, que és tu.
Tens só teu corpo, que és tu.
Por fim, na funda caverna,
Por fim, na funda caverna,
Os Deuses despem-te mais.
Os Deuses despem-te mais.
Teu corpo cessa, alma externa,
Teu corpo cessa, alma externa,
Mas vês que são teus iguais.
Mas vês que são teus iguais.
A sombra das tuas vestes
A sombra das tuas vestes
Ficou entre nós na Sorte.
Ficou entre nós na Sorte.
Não estás morto, entre ciprestes.
 
Não estás morto,
entre ciprestes.
 
Neófito, não há morte.
Neófito, não há morte.


Fernando Pessoa
Fernando Pessoa

Latest revision as of 13:55, 30 October 2010

Não dormes sob os ciprestes,

Pois não há sono no mundo.

O corpo é a sombra das vestes

Que encobrem teu ser profundo.

Vem a noite, que é a morte,

E a sombra acabou sem ser.

Vais na noite só recorte,

Igual a ti sem querer.

Mas na Estalagem do Assombro

Tiram-te os Anjos a capa.

Segues sem capa no ombro,

Com o pouco que te tapa.

Então Arcanjos da Estrada

Despem-te e deixam-te nu.

Não tens vestes, não tens nada:

Tens só teu corpo, que és tu.

Por fim, na funda caverna,

Os Deuses despem-te mais.

Teu corpo cessa, alma externa,

Mas vês que são teus iguais.

A sombra das tuas vestes

Ficou entre nós na Sorte.

Não estás morto,

entre ciprestes.

Neófito, não há morte.

Fernando Pessoa