A Morte de Jacques Demolay
“Nekan, Adonai! Chol-begoal!”. É desta forma que Jacques DeMolay, 23º e último Grão-Mestre da Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, começou sua exortação final, ao ser queimado na fogueira junto com o seu mais fiel Preceptor, Guy d’Auvergnie. O processo contra os Templários durou sete longos anos. Na época da prisão, em 13 de outubro de 1307, Jacques DeMolay contava 63 anos. Em uma ação comandada pelo Rei da França, Filipe IV, o Belo, e coordenada pelo seu maior conselheiro e executor, Guilherme de Nogaret, as Comendadorias Templárias foram tomadas de assalto na madrugada do dia 12 para o dia 13 e todas as posses foram confiscadas, assim como os membros da Ordem encontrados foram levados a torres e masmorras.
A ação tinha a aprovação tácita do Papa Clemente V, nascido Bertrand de Got, antigo Arcebispo de Bordeaux e elevado a Sumo Pontífice com a ajuda decisiva de Filipe, o Belo, em 1305. O papado estava em uma situação delicada, com os dois Papas anteriores mortos com grandes suspeitas de assassinato, e Clemente V não tinha forças políticas para se opor a tão grande rival como o Rei de Ferro, cognome do Rei da França. Presos os Templários, Filipe viu-se preso às regras eclesiásticas e à Inquisição. De acordo com a Bula Papal Omne Datum Optimum, emitida pelo Papa Inocêncio III, em 1139, os Cavaleiros do Templo só deviam obediência ao Papa e, portanto, só pela Santa Sé poderiam ser julgados. Desta forma, tiveram início as provações de sete anos de torturas e interrogatórios. Após cinco anos de processo, Clemente V, reunido com quatro Cardeais, decidiu que a acusação principal de heresia não havia sido provada e, no palácio de Chinon, redigiu o agora famoso Pergaminho de Chinon, que inocentava os Cavaleiros Templários. Contudo, Filipe, o Belo, sendo informado da decisão, enviou o Guarda-Selos do Reino da França e acusador principal do processo, Guilherme de Nogaret, que levava consigo um pergaminho com conteúdo exatamente oposto. Ameaçando Clemente V da perda da tiara papal, ele conseguiu tempo para que Filipe colocasse seus planos em prática. Como Jacques DeMolay e três de seus Preceptores estavam presos em Paris, eles foram conduzidos à Praça Parvis, em frente à fachada ocidental da Catedral de Notre Dame. Aos quatro dignitários da Ordem foi oferecida a chance de confirmarem sua culpa e arrependimento no processo – desta forma, sua possível pena de morte seria comutada para prisão perpétua. Contudo, para a surpresa dos presentes, Jacques DeMolay ergueu-se e indicou a tortura inclemente que sofrera durante os sete anos como responsável por sua anterior admissão de culpa e que, naquele momento, renegava tudo o que dissera como produto da dor, preferindo morrer a faltar com a verdade e com o compromisso com seus companheiros. Nisso, foi DeMolay secundado por Guy d’Auvergnie, que lembrou a injustiça da condução dos processos. O impasse gerado pro essa declaração inesperada permitiu que Guilherme de Nogaret tomasse a palavra e declarasse a decisão de queimar, ao fim da tarde, tanto Jacques DeMolay quanto Guy d’Auvergnie na chamada Ilha dos Judeus – hoje, conhecida como Ilha dos Templários, no Rio Sena. A tranqüilidade e passividade dos Templários contrastavam com o cenário da execução. O padre convocado para confessa-los recebeu como resposta “Guarde suas orações para o Rei”. Às margens do Rio Sena, um palanque havia sido armado e a família real, assim como grandes autoridades do Reino da França, observavam quando fogo for ateado à pira de execução. É nesse instante que Jacques DeMolay estendeu seu braço em direção ao palanque e pronunciou sua maldição – “Nekan, Adonai! Chol-begoal!”; palavras hebraicas que significam “Vingança, Senhor! Abominação a todos!” Em seguida, o Grão-Mestre convocou seus três algozes, Papa Clemente V, Rei Filipe, o Belo, e Cavaleiro Guilherme de Nogaret, a comparecem diante do Tribunal dos Céus dentro de um ano para serem julgados. Por fim, amaldiçoou a dinastia de Filipe por 13 gerações. As chamas, então, consumiram seu corpo, mas nem um grito de dor do Grão-Mestre dos Templários foi escutado e o choque de suas palavras era visível no rosto das autoridades presentes. As teorias divergem sobre se a maldição tinha natureza mística ou terrena – ou seja, se era um pedido aos céus e às forças superiores ou se era uma ordem aos Templários que não haviam sido capturados pelas forças francesas. Em todo caso, os fatos corroboram sua eficácia. O Papa Clemente V foi o primeiro a sucumbir, supostamente morto por causa de uma úlcera gastrointestinal pouco mais de um mês após a execução de DeMolay. Sete meses mais tarde, era Guilherme de Nogaret que passa mal durante um Conselho Real e morre envenenado. Uma história famosa relata que o veneno utilizado era sulfucianeto de mercúrio, conhecido como “Serpente do Faraó”, letal quando inalado. Esse composto teria sido misturado com as cinzas da língua de um condenado à morte, elementos de uma forma muito específica de magia. Ambos teriam sido combinados ao pavio de uma vela que, ao queimar, envenenou Nogaret. O promulgador do artefato letal teria sido um Templário em busca de vingança por seu Grão-Mestre. O último a falecer foi o grande Rei Filipe, o Belo. Durante uma caçada, o Rei de Ferro, assim chamado por não demonstrar emoções jamais, teve um mal súbito e caiu de sua montaria. Levado para uma das residências reais, Filipe agonizou durante dias, murmurando em seu tormento o nome de DeMolay e da Ordem dos Templários. Ao morrer, foi sucedido por seu filho mais velho, Luís X, o Teimoso, que não governaria por mais de dois anos. Seus dois outros filhos, Filipe V, o Alto, e Carlos IV, o Belo, tornaram-se reis da França, mas antes que catorze anos se passassem, estavam todos mortos.
Por Hugo Lima, Secretário estadual de Ritualística da Ordem Demolay, RJ