Defendendo a igreja católica?
Excelente texto de Homero Ottoni Jr
Dois articulistas da Folha, Luis Felipe Pondé e João Pereira Coutinho, tentam defender a Igreja católica e o papa Bento 16 do que vêem como “ataques injustos e raivosos”. Mas erram demais no alvo e nos argumentos, em especial Pondé, em uma diatribe, essa sim, raivosa, contra as críticas à Igreja católica e seu representante máximo.
Sim, sabemos todos que pedofilia existe em todas as áreas da atividade humana. Não é esse, entretanto, o cerne das críticas à igreja e ao papa, mas o acobertamento dos casos denunciados, por décadas, em especial em relação às ações do atual papa quando responsável direto por esses casos.
Contra uso de camisinha
Ninguém fica “desapontado” em saber que existem pedófilos entre professores ou mesmo pais e parentes. Tristes, certamente, mas não desapontados, já que é evidente que esse problema pode surgir em qualquer ambiente ou instituição. O que desaponta, choca, horroriza, é que padres, cardeais e bispos tenham passado anos, décadas, a abusar de crianças, sendo movidos de uma paróquia para outra a cada denúncia, sem terem sidos denunciados à justiça comum, e tudo em nome da “imagem da sagrada igreja de Pedro”. E não uma vez, ou um caso ou outro, mas centenas, milhares, uma epidemia. Epidemia que só vem à tona a partir de corajosas denúncias das vítimas, não da ação da igreja ou de seus responsáveis! O que causa horror é que foi preciso que vítimas, centenas, surgissem e vencessem o muro sólido de proteção e acobertamento imposto pela instituição religiosa, pelo poder e terror por ela mantidos, para que algo, e bem pouco, fosse feito (ou prometido, pois ainda não passamos das promessas) contra esses criminosos!
A “lógica do arrependimento” não vale para a justiça dos homens, a única que sabemos ser real, e não imaginária. Se arrepender, pedir perdão, pecar novamente, se arrepender de novo, e assim por diante, não tem nenhuma validade para a sociedade laica, a sociedade humana, mentalmente saudável e racional.
Já Coutinho faz afirmações que nos fazem pensar, em que planeta, em que mundo ou sociedade ele vive. A igreja “prega apenas para quem a segue”? Mas como assim? E as campanhas mundiais de evangelização, fonte e base da Igreja, ação fundamental e primária de todo católico, padre ou não: pregar e levar o evangelho onde ele não está? E Madre Teresa, a pressionar e perseguir mulheres pobres na Índia para que não usassem camisinhas, mesmo sob risco mortal?
Haja pretensão e arrogância!
E todo esforço feito para impedir que cientistas, laicos, pesquisem células-tronco e todo esforço para impedir que postos de saúde, entidades governamentais e laicas, distribuam camisinhas? E as peças de propaganda, mentirosas, que “alertam” os jovens que camisinha não protege de doenças sexualmente transmissíveis (e que causam enorme dano em especial nos países africanos mais pobres e sem informação)? E a condenação/perseguição contra homossexuais e a hipocrisia de ordenar que nunca se relacionem, não façam sexo jamais, para evitar sua própria natureza, enquanto padres nem mesmo conseguem suprimir a própria sexualidade?
Em que planeta vive o autor do texto?
Claro que é “pior” condenar a camisinha e também apedrejar adúlteras. Mas, por exemplo, assassinato ser pior que estupro, não torna uma coisa melhor que a outra, apenas “menos pior”. Continua ruim, continua crime, continua a ser ingerência fora dos limites de sua crença e raio de ação. E não foi sempre assim. Apenas depois da separação Igreja/Estado é que a Igreja católica se civilizou um pouco e apagou suas fogueiras.
A Igreja católica, mesmo se desconsiderarmos o período da inquisição (e esquecermos Galileu e outros grandes homens), se pretende um “guia moral e ético” da humanidade. Não dos católicos e dos que assim desejam, mas de toda humanidade. Pretendem que seu deus especial seja o deus de toda humanidade. Haja pretensão e arrogância disfarçada de humildade cristã!
Um direito garantido por lei
Não-católicos não desejam “corrigir” uma instituição à qual não pertencem, como afirma Pereira. Desejam apenas que esta não interfira com suas vidas, não atrapalhe, não prejudique os que não pertencem a esta fé ou superstição.
As “patrulhas”, fantasmas e espantalhos que o autor parece ver por todo lado a atacar a santa igreja católica, viveriam, sim, sem o papa. Mas gastariam seu tempo em coisas mais interessantes, como viver a vida, estudar, aprender, amar, conviver com a família etc. Se estas pessoas se dispõem a protestar e sair às ruas é para defender esse direito de seguir suas vidas como desejarem e sem a interferência de instituições daninhas, como a igreja.
E é, sei que o articulista sabe disso, um direito dessas pessoas, garantido, não pela imaginária lei divina, mas pela racional, legítima, laica, lei humana. Nem o papa nem a Igreja estão acima ou fora do alcance dessa lei.
Links Externos
Publicado originalmente no Observatório de Imprensa
Os artigos em questão (links para assinantes):
Sade de batina de Luis Felipe Pondé
Caridade cristã de João Pereira Coutinho.