Simbolismo Vegetal II

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Dos três reinos da natureza, o vegetal é quiçá o que está mais diretamente unido ao fluir dos ritmos e ciclos do Cosmo, refletidos na renovação periódica e anual das plantas, na regeneração da potência fértil e fecunda de sua seiva, propiciando desta maneira a alimentação e o sustento necessário a homens e animais. Mas o realmente importante é que esta relação está na própria base de muitos mitos e ritos agrários, cuja estrutura simbólica reproduz as leis universais de correspondência e analogia (ou seja, de harmonia) entre a ordem terrestre e a celeste, ou entre a ordem visível e a invisível, não sendo, em suma, o mundo vegetal, ou melhor ainda a natureza em seu conjunto, senão um símbolo vivo e sempre presente do sobrenatural e do transcendente. Por isso mesmo, a germinação, desenvolvimento, florescimento e doação dos frutos das plantas não deixa de ser um fato assombroso e verdadeiramente mágico e misterioso para quem vive imerso no sagrado, como era o caso dos habitantes das sociedades tradicionais, que viam nisso a ação combinada de forças telúricas e cósmicas personificadas nas deidades lunares e solares, terrestres (e infra-terrestres) umas e celestes as outras, recebendo a planta o influxo das energias passivas e ativas, femininas e masculinas do Cosmo através dos nutrientes substanciais da terra e da água, a vivificação do ar, e o calor e a luz procedentes do fogo solar. Daqui deriva a dupla natureza do vegetal, “asúrica” por sua vertente subterrânea e “dévica” por sua parte aérea e vertical (axial), termos estes pertencentes à tradição indiana, e que designam respectivamente às energias telúricas e celestes conciliadas no ato mesmo da criação da planta. Isto cobra um relevo especial nas chamadas “plantas sagradas”, utilizadas nos ritos de iniciação aos mistérios, e cuja ingestão (bebida ou comida) põe ao ser em comunicação com seus estados inferiores e superiores, realizando a “viagem” pelos diferentes planos de manifestação, descendo e ascendendo pelo Eixo do Mundo.

Essas plantas seriam, pois, um suporte ou veículo de Conhecimento, e em muitas ocasiões a própria planta, ou seu fruto, considera-se como o objetivo a conseguir para aceder a dito Conhecimento, por isso a expressão “licor de imortalidade” ou “fruto de imortalidade” que recebem determinadas substâncias vegetais, como por exemplo o vinho ou ambrósia nas culturas greco-romana, hebraica, cristã e islâmica, semelhante ao soma ou amrita indiano, idêntico por sua vez ao haoma dos antigos iranianos, do que se diz que só podia recolher-se na “montanha sagrada” Alborj, equivalente ao Eixo do Mundo. Igualmente na Alquimia vegetal se fala do “elixir de longa vida”, que se corresponde com a “pedra filosofal” na Alquimia mineral, sendo o elixir a essência própria da planta, como o vinho é a essência da videira, outra figura do Eixo do Mundo. Neste sentido, recordaremos que o vinho simboliza precisamente a doutrina esotérica e metafísica, ou seja o Conhecimento, e seguramente a isto alude a expressão o “espírito do vinho”, ou aqua vitae (água da vida), ou “bebidas espirituosas”, que ainda se conserva na linguagem popular de diversos lugares, ainda que seu sentido profundo já passe totalmente despercebido na maioria dos casos.

Também há que se mencionar o trigo (equivalente ao milho nas tradições pré-colombianas, ou ao arroz entre as extremo-orientais), e em conseqüência ao pão, que junto ao vinho constituem as duas espécies eucarísticas do Cristianismo, ou seja do corpo e do sangue, ou a substância e a essência reunidas no Verbo ou Homem Universal, arquétipo do iniciado, o que é comparado precisamente a uma planta, tal e como indica a palavra “neófito”, que tanto significa “novo nascido” como “nova planta”. Este é, desta forma, comparado a uma semente ou germe que tem de “morrer” no interior da terra para renascer ao mundo de cima e da luz, que é sua verdadeira origem pois, ao contrário do vegetal, o homem tem suas “raízes” no Céu, tal e qual nos relata Platão no Timeu quando diz que “o homem é uma planta celeste, o que significa que é como uma árvore invertida, cujas raízes tendem para o céu, e os ramos para baixo, para a terra”.

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